dia 01 - ano II - d.C
- jumvasconcelos
- 17 de fev. de 2016
- 4 min de leitura

dia 01 do ano 02 d.C[ecilia] cresci sendo a irmã mais nova de uma criatura tão ímpar que nenhum esforço contorcionista de palavras seria capaz de dar conta. talvez por conta disso, desde criança eu tinha certeza de que se algum dia eu fosse mãe, eu abriria uma piracema de fertilidade que trouxesse ao mundo pelo menos duas crias. assim sendo, eu podia não saber quando ficaria grávida pela primeira vez, ou mesmo se um dia eu ficaria grávida, mas sempre soube que minha segunda gravidez tinha data marcada: logo que a primeira filha saísse das fraldas. eu não tinha ideia, mas por conta deste raciocínio, Cecilia sempre fora uma certeza. logo que Maria Luiza completou dois anos, comecei seu desfralde. eu ainda usava DIU (já que Malu veio ao mundo, para me mostrar que eu e o Vi tínhamos realmente a fertilidade de uma piracema inteira). minha criança interna começou a chamar por Cecilia, sem nem saber seu nome. comecei a ter atrasos menstruais e profundas esperanças de estar grávida, até que um dia recebi a notícia do nascimento de uma sobrinha, e meu peito, depois de um ano sem produzir leite, sentiu aquela quentura descendo pela mama e minha blusa ficou molhada. antes mesmo de ter um filho fecundado, aquilo me trazia a notícia: eu estava espiritualmente grávida daquela tão esperada segunda cria. dar um irmão ou irmã para Maria Luiza era um desejo de muitas projeções para a vida dela e da nova criatura a ser por mim trazida ao mundo. para mim, a relação entre irmãos é a primeira e fundamental experiência política e democrática - é na fricção entre concordâncias e discordâncias diárias que o caráter vai sendo esculpido. é a formação de uma futura chapa - nem sempre ou quase nunca unânime - que irá invariavelmente ser a minha oposição em muitas "votações" de projetos de lei na nossa vida. é o desejo de empoderar o futuro contra os meus então retrocessos, na esperança de que juntas elas possam vir a me provar através de argumentos e gestos que sim, eu estou equivocada e preciso me esforçar para me manter atualizada sobre o mundo contemporâneo a elas, no contínuo esforço de sair de zonas de conforto para tentar compreendê-las e, assim me manter em estado real de presença no mundo. diante de todo este desejo, fui à médica e pedi que tirasse meu DIU para que aquela gravidez pudesse finalmente ganhar corpo. aos sete dias de fecundação, meu olfato me contou que dalí a uma semana minha menstruação certamente não viria. Cecilia, depois de décadas de gestação, havia finalmente descido das memórias de brincadeiras de infância para o meu ventre. a pequena tanto fazia parte de mim que, quando saiu, me virou do avesso. tive complicações no parto e não soube o que fazer com trauma que isso me causou. os primeiros meses de Cecilia foram muito duros. o estresse pós-traumático bloqueou coisas demais em mim. eu não tinha noção do que acontecia, porque eu estava submersa em um profundo e silencioso mar de melancolia. meu corpo e minha mente pairavam no meio daquele oco-azul-escuro onde nada se ouve. nem mesmo o choro de um bebê. depois de quase 01 ano, durante meu check-up, meu clínico percebeu que embora todos os exames resultassem na presença de uma mulher saudável diante dele, aquela mulher continuava doente. me encaminhou formalmente para a terapia. pouco tempo depois, a pediatra das crianças - minha amada Dra. Tia Vânia - me incluiu em um grupo de puérperas que, recém-paridas, eram Pura Ocitocina. a terapia vinha me içando da hipotermia causada por aquela profundeza azul, com uma vara de pesca, e esta aldeia de mães me reanimou e me deixou em contínua compressa morna de ocitocina. ontem, dia 16/02/16, Cecilia completou 02 anos de vida e eu pude, finalmente, comemorar a plenitude do seu nascimento, do amor por ela e da minha saúde. aquele bebê tão esperado desde a infância estava no meu colo. o tema da festa era justamente o fundo do mar (a pedido da Malu). o fundo daquele oceano no qual eu tanto pairei, saiu do meu corpo e tomou a casa inteira. toda a beleza da vida e das cores existentes no oceano me tomou. e eu me vi submersa num mar de alegria e gratidão. e o azul estava lá, celebrando a ressignificação da existência junto comigo, com a Cecilia e com pessoas que amo. dedico este relato a Cecilia, Vinicius, Ía, minha terapeuta, Dra. Tia Vânia, mães da aldeia Puta Ocitocina, a todas as mães que neste instante estão vivendo a solidão e o silêncio da depressão pós-parto em suas casas, e a todos os bebês que estão vivendo isso, neste início árduo de jornada, junto com suas mães. poucas mães falam abertamente sobre isso porque raras são as pessoas que abrem suas almas para ouvi-las com compreensão. meu coração e meu pensamento se direcionam a elas neste instante e compartilham as vibrações da minha cura com elas. eu estou curada. há um oceano cheio de vida em mim.
























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