para abrir os paladares
- jumvasconcelos
- 11 de jun. de 2013
- 3 min de leitura
(Estou sentada no Tom Jazz esperando um show inteiro acontecer pra eu poder dar um abraço. Mas ele se adianta e faz com que suas músicas abracem alguma coisa em mim que eu nem sabia que dava pra abraçar.) O novo álbum de Vinicius Calderoni tem uma sonoridade tão complexa que chega a ser inegavelmente táctil. Uma perfeita "assemblage", nos termos das artes plásticas: introduzido por Jean Dubuffet em 1953, o conceito de assemblage é baseado no princípio de que todo e qualquer material pode ser incorporado a uma obra de arte, criando um novo conjunto sem que esta obra perca seu sentido original. "Para abrir os paladares" é um trabalho que rompe as fronteiras entre arte e vida cotidiana, tal e qual um Schwitters sonoro. Formado em Cinema, Vinicius nos apresenta um CD de longa metragem, com faixas encadeadas que nos contam esquetes de narrativas contemporâneas que se interligam, ou não, tecendo um corpo de inquietudes. Presenciar sua performance no palco é se tormar cúmplice de seu pensar alto. É assistir a um monólogo olho no olho e compor um diálogo imediato com as próprias percepções diante de tão delicioso e suave estranhamento. A presença do artista é teatral. Ele se põe a contar suas histórias de lugares internos, longínquos ou à flor da pele, musicadas por assemblages de sound scores, som direto, apropriações e releituras de estruturas tradicionais da música brasileira e latina. São paletas de trilha de cinema contemporâneo que me remetem a filmes como Hanami - Cerejeiras em flor, Fale com Ela, Encontros e Desencontros, Amor à flor da pele; releituras de estruturas musicais populares com influências de artistas que reinventam sua cultura ao sabor do seu tempo, como Gothan Project e Lenine; e, por fim, ruídos banais elevados a instrumentos musicais de alta complexidade. O CD tem produção impecável com arranjos refinadíssimos de cellos prosaicos e ringtones eruditos. Ou seria o contrário? Acho que não... Vinicius é um músico cria de long plays do olimpo da música popular brasileira das décadas de 1970 e 80. "Saltimbancos", "Arca de Noé", "O grande circo místico" e "Plunct! Plact! Zum!", entre tantos outros álbuns, foram a trilha sonora de infância da sua geração. É maravilhoso ser desta mesma geração e poder reencontrar esta mesma liberdade de experimentação em "Para abrir os paladares", só que desta vez, para embalar uma terceira infância que começa a ensaiar os primeiros passos de uma densa maturidade. O disco abre os paladares provocando um formigamento. É uma obra contemporânea que revela o desejo de conter todos os anseios, ruídos, sentimentos, instrumentos e texturas, aqui agora ao mesmo tempo. Nos introduz um Vinícius plural que assume incredulidades e epifanias; que se permite a vulnerabilidade ingênua tanto quanto a convicção política. Desce do muro e traz, para a abertura dos paladares, a bipolaridade inerente às dualidades de toda e qualquer condição humana. Um Vinicius que vê suas vestes, mas também quer poder se ver nu em busca de uma idéia de estado bruto. "Para abrir os paladares" é música regional paulistana, é música local numa cidade-mundo, ou como diria Caetano: é música doideca. É uma obra sobre a constante tensão política e poética que povoa um artista que se permite a própria reinvenção, para tentar crer na reinvenção de um mundo. (Aplaudo de pé e com água salgada nos olhos. Agora sim, chega a hora o tão esperado abraço. Só que depois de tudo isso, um abraço outro: muito mais outro e muito mais grato, justamente por tudo isso.)

























Comentários